ENTEDENDO A FORMAÇÃO ECONÔMICA BRASILEIRA. É POSSÍVEL UNIR AS TEORIAS.
O presente artigo tem como principal objetivo desenvolver na História Econômica, no âmbito de desenvolvimento econômico-social e funcionamento de sua dinâmica, um diálogo entre os principais estudiosos nacionais, apresentando assim diversas vertentes de teorias quanto ao objeto de pesquisa em formação econômica brasileira. Não tenho como objetivo apresentar um modelo único e autorrealizável para esta discussão, pois como veremos mais adiante, as teorias sempre são e serão criticadas, gerando assim diferentes “escolas de pensamentos”.
Na década de 30 a História Econômica passou por uma reformulação quanto a sua estrutura e objeto de pesquisa, assim como a ciência em um todo. Antes desta década a história se ocupava quase que exclusivamente de publicar contos históricos, onde figurava no papel principal o herói. Os ideais iluministas, a semana de arte moderna em São Paulo e alguns outros episódios estimularam a mudança na ciência. A economia também passa por uma reformulação, mudando sua estrutura, considerando agora o processo histórico para se entender como se deu as relações econômicas e sociais em diferentes períodos da história.
Os primeiros pensadores a contribuir de forma significativa foram: Caio Prado Júnior, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Celso Furtado. Sendo que as principais obras de Caio Prado Júnior e Celso Furtado são, ou pelo menos deveria ser considerada leitura obrigatória para a graduação de Ciência Economia e História.
Este artigo esta dividido em três partes, assim apresentado: na primeira seção, estão compreendidos os primórdios da História Econômica Brasileira e alguns pensadores contemporâneos, que consideram a acumulação primitiva de capital como a dinâmica fundamental para o desenvolvimento de nossa sociedade; Na segunda seção, são apresentadas teorias alternativas, onde o objeto de pesquisa é mudado, nesta seção se estuda o modo de produção escravista, economia de subsistência, interiorização colonial e outras; Na terceira seção é apresentado um modelo, onde se procura obter solução para a problemática de encontrar um modelo teórico que possa ser aceito amplamente, e onde se podem incorporar diferentes teorias.
1. Clássicos Brasileiros
Na década de 30, muitos historiadores e economistas publicaram suas grandes obras, dando ênfase em Caio Prado Júnior, considerado o “Adam Smith” da História Econômica brasileira. Sua grande obra “A Formação do Brasil Contemporâneo”, escrita em 1942, não foi a primeira a ser publicada, porem foi a de maior expressão, dando inicio a discussão de formação econômica no território brasileiro.
Vera Borges de Sá caracteriza Caio Prado Júnior assim:
Caio Prado Júnior, na verdade, faz parte do florescer da inteligência brasileira que buscou explicar as raízes do Brasil, não mais enfatizando os heróis individuais, mas a partir de análises de conjecturas em que os grupos políticos, segmentos de raça e classe têm um papel privilegiado na explicação da história.[2]
Como podemos observar, Caio Prado Júnior mudou o objeto de estudo, antes focado no herói, agora estudando os processos históricos para se entender como se formou o estado brasileiro. Existe um caráter de singularidade na obra deste autor, ele relata que se nos observarmos à atual sociedade, ainda poderemos encontrar relações que se formaram durante o período colonial. Portanto Caio Prado considera muito importante como se dava as relações coloniais, tanto econômicas quanto social.
Tal autor enxergava que as relações entre: escravos, monocultura e grandes propriedades agrícolas, se relacionavam de tal forma que uma não poderia funcionar sem a presença da outra. Caio Prado Júnior observa que na colônia portuguesa Sul-americana, foi incorporado um trabalho agrícola voltado para atender as necessidades do exterior. Dentro das grandes propriedades agrícolas funcionava a monocultura, cuja ação não necessitava de um grande aparato tecnológico, portanto considerado uma forma mais simples da agricultura. E a mão-de-obra utilizada nesta monocultura de produtos exóticos, que funcionava dentro da colônia portuguesa, era quase que exclusivamente de cunho escravo. Os portugueses negavam o trabalho por acreditar denegrir sua aparência de ser superior, o chamado eurocentrismo. E assim Caio Prado Júnior apresenta sua lógica de sentido de colonização, onde toda a estrutura da colônia estava à disposição da coroa portuguesa, conhecido como acumulação primitiva de capital, Portugal usa a colônia como forma de acumular divisas e metais preciosos.
Outro autor que merece destaque nesta vertente de pensamento é Celso Furtado, economista brasileiro conhecido e com altamente conceituado na carreira acadêmica internacional. Este economista foi de grande importância quanto ao estudo de desenvolvimento em toda a América – latina. Celso Furtado teve voz ativa na CEPAL durante seu auge.
Assim escreve Tomás Szmrecsányi:
O ensaio sobre a estagnação na América Latina, além de ter sido cronologicamente o primeiro, foi também aquele que alcançou maior repercussão, dando origem, alguns anos mais tarde, a uma famosa contestação empírica por parte de Maria Conceição Tavares e José Serra. Além de apresentar um engenhoso modelo histórico do desenvolvimento econômico e social da América Latina (...). [3]
Celso Furtado avança nas pesquisas de desenvolvimento na sociedade brasileira, distanciando assim o pensamento comum de que a industrialização e desenvolvimento das sociedades periféricas latino-americanas deveriam ser iguais ao desenvolvimento experimentado nos países centrais, ou seja, países como Inglaterra, Estados Unidos, Japão, Alemanha e outros.
Apoiado no objeto de pesquisa de Celso Furtado, o sociólogo e ex-presidente da república, Fernando Henrique Cardoso, se juntou com Faletto para desenvolver uma teoria sobre a dependência, que os países latinos periféricos tinham com os países centrais. Estes autores aprofundaram suas pesquisas quanto ao objeto, desenvolvimento nessas sociedades. Eles perceberam, que os países latinos tiveram seu desenvolvimento de forma parecida, estes sendo financiado por empresas estrangeiras, sendo assim, o setor industrial continua dependendo da “capacidade de importação” de bens de capital, conduzindo também a dependência financeira, mesmo que em seguida se forme o setor interno de bens de capital, a dependência de importação diminui e não desaparecem.
O pensador que mais se aproxima com Caio Prado Júnior, dentre uma linha de historiadores é Fernando Novais. No seu livro ”Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial”, Novaes se utiliza da teoria de Caio Prado Jr para montar seu modelo teórico. Fernando Novais assim escreve:
Ora, promovendo a primitiva acumulação capitalista nas economias centrais européias, o funcionamento do sistema colonial se comporta, como já vimos, como um instrumento fundamental (embora não o único, evidentemente: há que considerar fatores internos do desenvolvimento capitalista na Europa) a promover a ultrapassagem para o capitalismo industrial.[4]
Este pensador remonta a sociedade colonial e como se deu a deteriorização da administração portuguesa, como a acumulação primitiva de capital foi perdendo força, devido à administração arcaica adotada pelos portugueses.
2. Demais vertentes de pensamentos.
Neste segmento os autores que se destacam são: Ciro Cardoso e Gorender. Na obra de Ciro Cardoso o autor apresenta como está inserido o escravo dentro da sociedade, principalmente na produção. Esta necessidade de ter o escravo presente na sociedade tem um caráter singular, trabalho com pouco nível de tecnologia e inteligência, sendo assim um trabalho braçal. Para que tal procedimento fosse viável alguns itens deveriam ser respeitados, como: escravo sendo mercado e capital; o preço pago por um escravo é o lucro capitalizado pelo mesmo; e o baixo nível técnico.
O tipo de escravidão experimentado na America é diferente do sistema escravista de outras sociedades. Na sociedade americana, o escravo funcionava como uma moeda de troca e/ou um instrumento de trabalho. Nesta, não se podia utilizar o instrumental teórico do pensamento econômico, pois não existia trabalho assalariado.
Ciro Cardoso apresenta a renda escravista, como uma receita gratuita do proprietário sobre os escravos. Seu volume está determinado pela produtividade da utilização do escravo.
Jacob Gorender se junta a Ciro Cardoso tanto para criticar Caio Prado Júnior, Gorender em menor intensidade, tanto para apoiar o escravismo colonial como fundamento da sociedade Brasileira. Para Gorender, a produção é o principio formador da organização social dos homens, chamado de modo de produção.
Jacob Gorender escreve sobre o modo de produção.
O modo de produção é, assim, por si mesmo, um modo de reprodução continuado das relações de produção e das forças produtivas. (...) o estudo de uma formação social deve começar pelo estudo do modo de produção que lhe serve de base material.[5]
Ciro e Gorender contribuem com sua teoria em outras áreas, mas o importante a ser analisado é a mudança de objeto histórico, saindo da administração portuguesa e indo para o sistema escravista.
Além destes dois autores, existem outros pensadores que se diferenciam com suas publicações no campo da historiografia econômica pelos diferentes objetos estudados, destaque para: Maria Odila, Alcir Lenharo, Maria Yedda Linhares, Roberto Martins, Riva Gorenstein e Kátia Mattoso.
Até o aparecimento da obra destes autores, compreendia como fundamental na formação do estado nacional brasileiro, a acumulação primitiva de capital e o modo de produção escravista. Porém estes autores trouxeram ao cenário da historiografia econômica nacional personagens como o caixeiro viajante, economia de subsistência, a dinâmica da agricultura nacional e outros que deixaram de ser analisados pelos pensadores das vertentes anteriormente mencionados.
Maria Odila se concentra na interiorização da metrópole, olhando a vinda da coroa portuguesa de forma diferentemente conhecida pela maioria da população portuguesa. Enquanto o senso comum acredita, que a família real veio exclusivamente de Portugal para o Brasil fugida das tropas de Napoleão Bonaparte, Maria diz que a saída da coroa portuguesa para sua principal colônia se deu por outros motivos, motivos traçados estrategicamente.
Um importante objeto abordado a partir de então, que é estudado com mais profundidade, é a rede de abastecimento interno. Dentro desta área, Alcir Lenharo teve grande importância com sua obra “As tropas da moderação”, onde o autor relaciona as estradas e rodovias, e ainda seus melhoramentos, como de grande importância para se entender o fluxo de mercadorias no mercado nacional. Em sua obra podemos constatar a importância do sul de Minas na rede de abastecimento interno, principalmente na cidade do Rio de Janeiro, cidade mais importante em tal período.
Alcir Lenharo trata da seguinte forma, o tratamento dado para o abastecimento interno:
Enquanto o setor oriundo da burocracia e do comércio da Corte reforçou-se social e economicamente através da expansão da economia cafeeira e através da emergência de novos proprietários na região, o setor de classe ligado à produção e ao comércio de abastecimento do mercado interno ficava marginalizado do poder da Corte, resistindo e expandindo-se no âmbito municipal e provincial.[6]
È importante entender como se deu o abastecimento de mercadorias de subsistência interno, mesmo que este assunto sempre tenha sido marginalizado, pois é baseado nessa dinâmica de mercado que se deu o desenvolvimento de alguns estados brasileiros de grande importância no cenário nacional e internacional, como Minas Gerais.
Maria Yedda Linhares foca-se na problemática da agricultura nacional, como se deu seu desenvolvimento e as relações sócias presentes no campo. Maria Yedda apresenta o papel do caubói, um trabalhador assalariado, diferente do escravo que não recebia remuneração alguma por seu trabalho. A autora apresenta como se dava a remuneração de cada agente presente nesta forma de sociedade, onde o principal beneficiado é o proprietário da terra.
Além destes objetos de pesquisas mencionados anteriormente, é publicado obras que se preocupam com caixeiros viajantes, como se dá sua ascensão na sociedade, suas relações sociais, suas famílias, entre outras possibilidades de pesquisas. Porém estes estudos não apresentam o mesmo grau de importância na dinâmica e desenvolvimento de nossa sociedade.
Existem inúmeras teorias que venham a contribuir para a História Econômica brasileira, porém não é o objetivo de tal artigo especificar todos os modelos teóricos desta disciplina. Sendo assim, foram escolhidos os autores quanto ao seu grau de importância na percepção de construção econômica e social da presente sociedade brasileira.
3. Construção de um modelo teórico
Na procura de um modelo teórico ideal, que por si só explica como se deu a construção do panorama econômico-social da sociedade brasileira, podemos observar inúmeros autores que venham a contribuir, cada um com suas limitações. Antes de criticar a publicação de um autor, é importante analisar o tempo histórico em que sua cada contribuição foi dada, suas dificuldades, dinâmica social e ainda o caráter inovador de suas teorias.
Para se entender como se deu a formação econômica da sociedade brasileira, é preciso se ter em mente a perspectiva dos ciclos econômicos, originalmente desenvolvido por Simonsen. Pois tendo em mente sua dinâmica, podemos visualizar o ciclo de povoamento e exploração, iniciando com a exploração do açúcar no litoral brasileiro, sua mão-de-obra exclusivamente escravista e seu caráter exportador, na segunda fase há uma corrente migratória para a região das Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, mão-de-obra escravista e pactos com a metrópole portuguesa, em que somente podiam comercializar com a mesma, com as baixas das minas o fluxo migratório se deu para as regiões do sul, com a produção cafeeira e um grau considerável de expansão industrial, mão-de-obra mista, economia voltada para o exterior, porém com autonomia.
Não podemos deixar de observar como se dava a dinâmica do mercado interno, o mercado escravista, abastecimento de mercadorias nas principais cidades brasileiras e o desenvolvimento da agricultura. Com a rede de abastecimento interno, podemos entender como se deu o fortalecimento de Minas Gerais e outras cidades, mesmo com as baixas das minas de matérias preciosos, enquanto Rio de Janeiro e São Paulo se enriqueciam com o café, Minas Gerais, parte da região sul e centro oeste conquistavam seu papel dentro da sociedade com a rede de abastecimento interno.
È fácil observar que o Brasil sempre figurou no mercado internacional como, exportador de commodities e matérias-primas, e importador de mercado de capital, para financiar sua industrialização, gerando dependência financeira.
No papel social a construção étnica da sociedade brasileira é bastante rica, onde os portugueses, índios já existentes na terra dominada pelos europeus e os escravos trazidos de suas terras para trabalhar na colônia, criaram um personagem conhecido como mestiços.
A intenção deste artigo é fazer com que nós percebamos que não existe um único modelo teórico capaz de ser único e absoluto. Pois existem muitos agentes, e cada vês mais são incorporados novos agentes que estão inseridos na sociedade. A história Econômica é de grande importância para a manutenção desta discussão, pois este tema é de muita importância para entender de forma racional quais foram os moldes utilizados para a construção econômica e social da atual sociedade brasileira.
João Fragoso escreve em “Para que serve a história econômica?” desta forma:
Apesar desse rejuvenescimento e profissionalização das pesquisas nacionais, muita coisa está por ser feita. São poucos os trabalhos, ainda, que procuram estudar temas como o chamado pequeno comércio e seus agentes; a mobilidade social dos pardos e forros; os mecanismos de exclusão social, e as elites e suas estratégias de acumulação.[7]
Termino este presente artigo, fazendo as palavras de Maria Conceição Tavares minhas palavras.
Economia é uma ciência social, e seu nome originário deve ser restabelecido -Economia Política- tem que voltar a esta idéia, tem que aprender história, para poder aprender a juntar as teorias. Modelo matemático não serve para nada, modelo matemático é uma piada. Existem quatrocentos modelos matemáticos, nunca acertam nada, acerta aquele que tem talento para fazer política monetária. Não é somente economia política, não vale a pena ser economista se você não achar que deve dar alguma contribuição para a sociedade, com sua profissão, com seu talento. E se você não se preocupar com o povo brasileiro, melhor ser engenheiro. Economia trata de problemas sociais e políticos. (...) [8]
[1] Estudante de graduação em Ciências Econômicas na UFRRJ
[2] BORGES DE SÁ, Vera. A FORMAÇÃO DO BRASIL CONTEMPORANÊO POR CAIO PRADO JUNIOR:
Contexto, epistemologia e hermenêutica de um clássico da historiografia brasileira. Revista Symposium. Pg.- 20.
[3] SZMRECSÁNYI,Tomás. CELSO FURTADO (1920-2004) E A ECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO. PG- 92.
[4] A. NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808).
[5] GORENDER,Jacob. O ESCRAVISMO COLONIAL
[6] LENHARO, Alcir. AS TROPAS DA MODERAÇÃO. PG-71
[7] FRAGOSO, João. Para que serve a história econômica? Notas sobre a história da exclusão social no Brasil. PG- 18
[8] CONCEIÇÂO TAVARES, Maria. Entrevista no programa de televisão “Agenda Econômica”.
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